Há seis anos, o infectologista Ricardo Diaz devota a maior parte do
tempo do seus dias à solução de um problema global: a infecção pelo vírus HIV.
Diaz, que é
pesquisador da Escola de Medicina da Unifesp, lidera um estudo que, no último
ano, conseguiu erradicar completamente o vírus HIV de duas pessoas
soropositivas, segundo os resultados.
Agora, elas estão sendo acompanhadas
para ver como seu organismo reage sem o tratamento experimental.
A
infectologista Melissa Medeiros, especialista em HIV e consultora da Sociedade
Brasileira de Infectologia, diz que a pesquisa é "extremamente
promissora" e "traz esperança, acima de tudo". No entanto, ela
afirma que é preciso avançar nos testes para saber qual seria o impacto do
tratamento nas pessoas.
"Quando se fala de algo assim, as
pessoas já acham que a cura chegou. Mas é importante saber que há um tempo de
pelo menos cinco a 10 anos até as pesquisas chegarem à população. É preciso
bastante tempo até sabermos se a pesquisa será mesmo bem-sucedida e se é
segura".
Impedindo a volta
do vírus HIV
O
tratamento contra o HIV disponível atualmente no Sistema Único de Saúde (SUS) é
um coquetel de três medicamentos que inibe o máximo possível a reprodução do
vírus no corpo, enquanto mantém o sistema imunológico atuante e protege contra
infecções oportunistas.
O HIV,
no entanto, não é completamente eliminado do organismo, e pode voltar.
A
equipe de pesquisadores brasileiros fez uma combinação de medicamentos já
utilizados em todo o mundo com mais duas substâncias ainda não usadas neste
tipo de tratamento e vacinas personalizadas, feitas com base no DNA de cada
participante.
"É
a primeira vez no mundo que alguém experimenta esse tratamento específico que
fizemos, e a primeira vez que temos resultados tão positivos na primeira etapa.
Estamos dando mais um passo na direção da cura", afirmou Diaz
A primeira etapa do estudo de Diaz -
feito com 30 pessoas - foi finalizada. Apenas cinco delas receberam a
combinação completa de tratamentos, e entre elas, duas parecem estar livre do
vírus, de acordo com os exames. Este grupo deve ser expandido para pelo menos
50 pessoas até o fim do ano.
Qual o objetivo do
novo tratamento?
O
tratamento proposto pelos pesquisadores brasileiros quer chegar à "cura
esterilizante", que é a eliminação completa do vírus, sem a possibilidade
de que ele volte a se replicar - algo que atualmente pode ocorrer se o
soropositivo para de tomar o coquetel.
"Atualmente,
nós tratamos a pessoa, o vírus morre, paramos de tratar, e o vírus volta. Isso
ocorre porque o vírus continua se multiplicando no corpo da pessoa mesmo com o
tratamento eficiente", explica o infectologista
De
acordo com Diaz, a cura total de pacientes com HIV enfrenta três grandes
obstáculos - o fato de que o vírus continua se replicando no corpo mesmo com o
coquetel, que apenas mantém essa replicação baixa; o fato de que o vírus fica
latente, ou seja, "adormecido", e pode voltar à atividade de maneira
aleatória; e a existência dos "santuários", locais do corpo humano
onde os medicamentos são pouco distribuídos e o HIV pode continuar se
desenvolvendo.
"O
que fizemos foi combinar tratamentos que pudessem superar todas estas
barreiras", afirma.
Como funcionaram os
testes
O
estudo foi feito inicialmente em 30 pacientes, divididos em grupos de cinco
pessoas. Cada um deles experimentou uma combinação diferente, e o último grupo
usou todos os tratamentos em conjunto.
Além do
coquetel antirretroviral, eles usaram a nicotinamida, ou vitamina B3, um
suplemento alimentar que é vendido em farmácias, mas nunca foi usado contra o
vírus HIV. Ele "acorda" as células com o vírus latente no corpo.
A pesquisa usou também o sal de ouro, medicação usada
para tratar doenças como artrite que não chega a despertar as células com HIV,
mas as leva a um "suicídio", explica Diaz.
E, para
eliminar os "santuários" de vírus no organismo dos pacientes, os
pesquisadores desenvolveram, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP),
uma complexa vacina personalizada, que faz com que o sistema imunológico volte
a reconhecer o vírus dentro do corpo, encontre esses santuários e mate o vírus.
"Desenhamos,
de acordo com o perfil genético da pessoa, o pedacinho do vírus que seria importante
pra despertar o seu sistema imunológico", diz o infectologista.
Nas
cinco pessoas do grupo 6, que fizeram o tratamento completo, a quantidade de
vírus diminuiu mais do que em todas as outras. E em duas delas, o vírus sumiu
completamente das células.
"Agora
estamos estudando como fazer a interrupção desse tratamento, para ver se elas
permanecem sem o vírus por mais tempo. Depois, vamos expandir o estudo."
Se for
bem-sucedido, o tratamento para curar o HIV seria muito caro?
Diaz
afirma que uma vacina personalizada para cada paciente soropositivo no Brasil -
e no mundo - seria muito custosa, ainda que ele não tenha uma estimativa real
do valor gasto em sua pesquisa até agora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BBC News Brasil.
O médico brasileiro que busca a cura definitiva do HIV combinando tratamentos e vacina personalizada. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44774194> . Acesso em: 31 jul 18.
ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA - UNIFESP.
O médico brasileiro que busca a cura definitiva do HIV combinando tratamentos e vacina personalizada. Disponível em: <https://www.unifesp.br/campus/sao/epm/epm-noticias/442-o-medico-brasileiro-que-busca-a-cura-definitiva-do-hiv-combinando-tratamentos-e-vacina-personalizada>. Acesso em: 31 jul 18.