Cerca de 33 mil novos casos de hepatites virais são notificados a cada ano no Brasil. Segundo levantamento do Ministério da Saúde, dentre as hepatites a do tipo B é responsável pelo maior número de infecções nos últimos 14 anos, totalizando 120 mil casos entre 1999 e 2011. A doença atinge principalmente a faixa etária de 20 a 39 anos, com maior incidência na região sudeste, que concentra 36,3% das notificações, seguida pelo sul, com 31,6%. Em mais da metade dos casos (52,7%) a hepatite B foi transmitida por relação sexual.
Já o número de casos de hepatite C é menor que o de tipo B, mas também é elevado: no mesmo período, foram registrados 82 mil casos no País. Mas o que mais chama atenção é a altíssima concentração da incidência nas regiões sul e sudeste. Elas respondem por 90% dos casos da doença, com destaque para os Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, que detêm 56,9% e 13% respectivamente.
Ainda serão disponibilizadas 2,3 milhões de unidades do teste rápido de diagnóstico das hepatites B e C , para serem distribuídas de agosto de 2012 até agosto de 2013.
Hepatites A, C e D no Brasil
Desde 2006, a taxa de incidência da hepatite A vem caindo significativamente. O ápice da doença ocorreu em 2005, quando houve 11,7 mil infectados para cada 100 mil habitantes. Já em 2011, a taxa foi de 3,6 mil. Diferentemente dos tipos B e C, a hepatite A tem maior incidência na região norte, seguida pela sudeste. As crianças com 5 anos ou mais são as mais afetadas, somando 36,8% dos casos.
A hepatite D afeta somente pessoas que já têm o tipo B da doença. Entre 1999 e 2011 foram notificados 2.197 casos, com maior número de casos na região norte, que concentra 76,4%, com destaque para o Amazonas, com 37%, e para o Acre, com 29,3%.
Entrevista do Dr. Drauzio Varella com o Dr. Gilberto Turcato é médico infectologista da disciplina de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal de São Paulo, a Faculdade Paulista de Medicina, e trabalha no Hospital Oswaldo Cruz sobre a hepatite B:
VIAS DE TRANSMISSÃO
Drauzio–Os profissionais de saúde têm muito medo de adquirir o vírus da AIDS acidentalmente por picadas de agulhas, quando estão colhendo sangue de um doente. No entanto, é importante destacar que a infectividade do vírus de hepatite B é muito mais alta do que a da AIDS.
Gilberto Turcato- Estudos mostram que a probabilidade de transmissão do HIV, o vírus da AIDS, por picadas de agulhas durante a coleta de sangue de uma pessoa infectada é inferior a 1%, enquanto a da transmissão do vírus da hepatite B gira em torno de 25% a 30%.
Drauzio - Quem se contamina acidentalmente com sangue infectado pelo vírus da AIDS pode tomar algumas providências imediatamente. E quem se contamina com o vírus da hepatite B, o que deve fazer?
Gilberto Turcato – Em relação à hepatite B, a providência mais importante é tomar a vacina, uma vez que a pessoa vacinada está protegida contra a infecção para sempre. Entretanto, se a infecção já ocorreu, existem algumas formas de tratamento com critérios bem estabelecidos a que se pode recorrer.
Portanto, quem entra em contato com sangue de uma pessoa infectada deve procurar assistência médica imediatamente. A gamaglobulina hiperimune, anticorpo específico contra a hepatite B, é um medicamento caro, difícil de encontrar, mas que deve ser usado nessas situações.
No que se refere aos profissionais de saúde, atualmente, a grande maioria já foi vacinada, produziu anticorpos e está protegida o que lhes dá maior sensação de segurança e proteção contra a doença.
VACINAS
Drauzio – Crianças que nascem hoje recebem a vacina contra hepatite B de acordo com o calendário oficial do Ministério da Saúde, mas quem é adulto dificilmente foi vacinado. Qual é a recomendação para essas pessoas?
Gilberto Turcato– Realmente, a vacina contra a hepatite B faz parte do calendário oficial de vacinação preconizado pelo Ministério da Saúde e a primeira das três doses é administrada logo após o nascimento. Com poucos efeitos colaterais, ela protege o indivíduo por toda a vida.
Como se trata de uma conduta pública relativamente recente, a grande maioria dos adultos de hoje não foi vacinada. Por isso, aqueles que pertencem a grupos de risco, ou seja, os que têm múltiplos parceiros sexuais, os usuários de drogas injetáveis e os profissionais de saúde (médicos, dentistas, pessoal que trabalha em laboratório) devem receber a vacina.
Drauzio – Se o vírus é transmitido pelo sangue ou por relação sexual, por que os contactantes devem tomar a vacina?
Gilberto Turcato– Como o vírus existe em grande quantidade no sangue, permanece viável no ambiente por bastante tempo e pode ser transmitido por pequenas lesões, a possibilidade de contágio existe e é real para as pessoas que convivem próximas do infectado. Há farta documentação mostrando que a presença de um paciente com hepatite crônica numa casa pode transmitir o vírus para outros membros da família.
Drauzio–Se a hepatite B é transmitida tão facilmente, deve representar um problema de saúde pública de graves proporções. Qual é a dimensão desse problema num país como o Brasil?
Gilberto Turcato – Calcula-se que haja 300 milhões de pessoas portadoras do vírus ou com hepatite B crônica no mundo. Em algumas regiões, como o Sudeste Asiático e a China, a prevalência é muito alta. Na Amazônia, de 5% a 20% da população adulta está infectada, o que não ocorre nas demais regiões do Brasil, em que a prevalência gira em torno de 1% a 3%.
PREVALÊNCIA DA INFECÇÃO
Drauzio–A pessoa pode adquirir o vírus por via sanguínea ou por relação sexual, mas há a transmissão vertical, da mãe para o feto. Isso ocorre na fase intrauterina ou durante o nascimento?
Gilberto Turcato– Pode ocorrer na fase intrauterina, mas prioritariamente ocorre no período periparto ou durante o trabalho de parto e, embora seja uma via menos importante, durante a amamentação.
TRANSMISSÃO VERTICAL
Drauzio– Toda criança de mãe portadora crônica do vírus da hepatite B nasce infectada?
Gilberto Turcato – A probabilidade é muito grande, alcança os 90%. No Sudeste Asiático, o problema é gravíssimo, já que uma das complicações da hepatite B é o hepatocarcinoma ou câncer de fígado, doença frequente e quase sempre fatal que acomete principalmente indivíduos do sexo masculino nesses locais.
Drauzio –Há alguma coisa que se possa fazer para evitar que a mãe transmita o vírus para a criança?
Gilberto Turcato – Para diminuir a possibilidade de transmissão vertical tem sido preconizado e com bons resultados o uso da gamaglobulina hiperimune associada à vacinação logo após o nascimento. A redução das infecções é bastante significativa. Por isso, não se pode deixar de adotar essas medidas, pois as consequências da infecção pelo vírus HBV serão muito sérias na vida da criança
EVOLUÇÃO DA DOENÇA
Drauzio– Como evolui o quadro da hepatite B?
Gilberto Turcato– A partir do momento em que o indivíduo se infecta, demora mais ou menos de um a quatro meses para desenvolver uma doença aguda que nem sempre é sintomática. Muitas vezes, surge quadro de febre, dor nas articulações e mal-estar, sintomas que não caracterizam clinicamente a hepatite viral. Apenas em 20% ou 30% dos casos, ocorre icterícia, sinal que chama mais a atenção e que facilita o diagnóstico.
Normalmente, a hepatite aguda se resolve num tempo inferior a seis meses. A recuperação pode ser total, o paciente fica imune e nunca mais será reinfectado pelo vírus HBV.
A doença pode, porém, ter outro tipo de evolução e a pessoa se torna portadora sã do vírus com o qual convive bem e que agride muito pouco seu fígado, mas é capaz de transmiti-lo na relação sexual e através do sangue.
A convivência, entretanto, pode ser menos amigável e a infecção evoluir para uma hepatite crônica que acaba determinando lesões no fígado como cirrose (cicatrização desorganizada do tecido hepático), ou câncer do fígado (doença grave também provocada pela hepatite C).
Drauzio –Nos casos em que o vírus persiste, o curso da doença é variável, mas em média quanto tempo leva para surgirem complicações como insuficiência hepática, cirrose ou câncer de fígado?
Gilberto Turcato– São necessários anos ou até décadas de evolução para que as complicações apareçam. O fígado é um órgão com reserva funcional muito grande e, mesmo agredido, continua desempenhando suas funções sem muito prejuízo para a saúde do portador do HVB. Infelizmente, embora leve bastante tempo, essa infecção persistente acaba determinando quadros de insuficiência hepática, cirrose e outras complicações mais sérias.
Drauzio– Vamos imaginar a seguinte situação. A pessoa vai doar sangue ou faz um check-up e só então fica sabendo que foi infectada pelo vírus da hepatite B. O que deve fazer?
Gilberto Turcato – Por incrível que pareça, essas são as formas mais frequentes de a pessoa ficar sabendo da infecção pelo vírus da hepatite B, porque não apresentou sintomas que chamassem atenção sobre a doença na fase aguda.
A partir do momento que se firma um diagnóstico de hepatite B crônica, é importante estabelecer o perfil dos marcadores sorológicos que caracterizam mais ou menos a fase em que se encontra a doença, a fim de saber até que ponto o órgão está preservado ou não em suas funções, ou, se necessário, pede-se uma biópsia hepática.
TRATAMENTO
Drauzio–Existe tratamento para a hepatite B?
Gilberto Turcato– Existe tratamento que classicamente pode ser feito com interferon, uma substância antiviral que nosso organismo é capaz de produzir e que tem o poder de combater o vírus B. É um tratamento longo – dura em média de 16 a 24 semanas – composto por injeções subcutâneas como as de insulina, que devem ser aplicadas no abdômen ou na coxa três vezes por semana ou, em alguns esquemas, diariamente.
Drauzio–É um tratamento fácil de suportar?
Gilberto Turcato – Não. Além de ser um tratamento caro, gera alguns efeitos colaterais importantes: febre, desconforto, dor no corpo, dor muscular semelhante à dos quadros gripais, náusea, queda de cabelo. O uso prolongado do interferon pode também provocar anemia, queda das plaquetas, os elementos responsáveis pela coagulação do sangue, alterações da tireoide e, frequentemente, depressão.
Drauzio–Existe algum outro medicamento que pode ser usado além do interferon?
Gilberto Turcato– A lamivudina, uma droga inicialmente usada para o vírus HIV da AIDS, mostrou que tem atividade também para o vírus HVB, assim como o tenofovir, entre outras drogas.
Drauzio–Qual o resultado desse tratamento, lembrando que, no Brasil, o interferon é distribuído gratuitamente pelo sistema público de saúde?
Gilberto Turcato – Existem formas bastante diferentes de avaliar o resultado do tratamento. Há a resposta inflamatória que pode ser controlada através dos exames de sangue. Há a resposta virológica com a eliminação completa do vírus e da inflamação e com reversão total para um quadro de cura. Infelizmente, essa resposta completa ocorre apenas em torno de 30% a 40% dos pacientes e varia de acordo com o tipo de vírus.
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