A intenção do Brasil de ser o primeiro país do mundo a
disponibilizar em sua rede pública a Prep (Profilaxia Pré-Exposição) pode ser
vista como um passo audacioso e até polêmico, mas que, tecnicamente,
representará avanços imensos e certeiros no controle da epidemia de Aids que
segue crescendo atualmente. São, em média, 40 mil novos casos todos os anos no
país.
A Prep concentra dois tipos de
antirretrovirais –medicações usadas no tratamento do vírus HIV– e foi pensada
para o uso contínuo no dia a dia, assim como um remédio para controlar a pressão
arterial, por exemplo. Trata-se de um comprimido que bloqueia a entrada do
vírus HIV no DNA das células de defesa do organismo e que é voltado,
especialmente, para pessoas consideradas de "risco ampliado".
Hoje, o HIV é um vírus
disseminado em todas as camadas sociais, independente da cor, da idade, da
orientação sexual ou da conta bancária. O uso do preservativo continua sendo a
principal forma de prevenção contra a doença, porém outras estratégias no
âmbito da prevenção combinada –como a própria Prep– também devem ser discutidas
e disponibilizadas.
É importante frisar que o grau de
vulnerabilidade de cada um não está vinculado à orientação sexual, mas sim ao
histórico de relações desprotegidas e ao nível de exposição. Infelizmente, há
situações de risco conhecidas em que a exposição torna-se recorrente. Mas, há
também outras complexidades. Você já parou para pensar em quantos milhares de
brasileiros soronegativos têm relacionamentos sérios, namoros ou casamentos com
parceiros infectados pelo vírus HIV, por exemplo?
Nos Estados Unidos, já é possível
comprar a Prep no circuito comercial de forma legal. Estatísticas apontaram uma
redução de 30% no número de novos casos em São Francisco, onde alguns serviços
públicos da prefeitura já disponibilizam a medicação. Na Europa, a Inglaterra e
a França já estudam a possibilidade de disponibilizarem a medicação
gratuitamente.
A ideia é que o tratamento seja
combinado com o uso do preservativo, e não que o substitua. Somente o
preservativo é capaz de proteger contra as outras várias DSTs (Doenças
Sexualmente Transmissíveis), como a sífilis. Por isso, sempre existiu um temor
natural e compreensível de que as pessoas poderiam se acomodar com a chegada da
Prep.
Porém, algumas estatísticas nos propõem uma discussão que
vai muito além, pois talvez, estrategicamente falando, não possamos mais nos
dar ao luxo de dispensarmos qualquer nova ferramenta de prevenção. Uma pesquisa do Ministério da Saúde, divulgada no começo de 2015, mostrou
que apenas 45% dos entrevistados usaram preservativo em suas relações sexuais
com parceiros casuais nos 12 meses antecedentes à pesquisa.
Além disso, temos assistido ao
incontestável crescimento do uso da PEP (Profilaxia Pós-Exposição). Trata-se de
outro coquetel de antirretrovirais que protege contra o HIV, só que é tomado,
no máximo, 72 horas após uma situação de exposição, seja em um acidente de
trabalho ou em uma relação sexual desprotegida. No Estado de São Paulo, por
exemplo, a busca pela PEP vem dobrando ano a ano desde 2011, tendo passado de
547 usuários, naquele ano, para 7.535, em 2015. Inclusive, nesse mesmo
período, o número de municípios paulistas que disponibilizavam a PEP passou de
54 para 112.
Enfim, os fatos nos mostram que
temos que lidar com o mundo real e não com o ideal. A meta da ONU é a de acabar
com a epidemia da Aids até 2030. Além disso, há uma diretriz muito objetiva da
Organização Mundial da Saúde para que os países do mundo todo avancem no
controle da epidemia de Aids. A entidade preconiza não apenas o tratamento
universal a todos os pacientes diagnosticados, como também o reforço às medidas
tradicionais de prevenção e aos tratamentos pré e pós-exposição para diminuir o
contágio.
Devido ao impacto positivo da
entrada dos antirretrovirais no Brasil, é comum que as pessoas se espantem ao
saberem que a Aids não só continua crescendo, como continua matando. As últimas
estimativas apontam para uma média de 39 mil casos por ano, sendo que, em 2015,
81 mil pessoas iniciaram o tratamento da doença. Desde o início da epidemia de
Aids, em 1980, até o ano passado, 798.366 casos de Aids foram registrados no
país, segundo o Ministério da Saúde. A conta é simples: quanto menos gente
infectada, menos gente infectando.
Fonte: Uol
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